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Foto do escritorElaine Silva

O experimento Piracanga

Atualizado: 15 de ago. de 2023


Viver uma vida totalmente sustentável em comunidade é possível ou não passa de uma grande utopia?




Piracanga é um distrito do município de Maraú, Bahia, que abarca a península e, também, parte do continente. É uma região bem extensa com vias de locomoção de difícil acesso por estradas de terra. Se por um lado a infraestrutura ainda é deficitária, por outro a beleza natural é abundante e preservada em grande parte.


Diz a lenda que em Piracanga (espinha de peixe na língua dos povos originários daquela região) em tempos remotos eram avistadas ossadas de baleia na praia. O lugar realmente faz parte da rota das baleias jubarte, que durante o inverno buscam as águas quentes da Bahia para darem a luz aos filhotes e depois regressam para o polo sul. Por isso, o nome do rio virou Piracanga, assim como da ecovila que floresceu por lá.






A ecovila Piracanga, que fica dentro desse distrito, é reconhecida pela Global Ecovila Networks, associação internacional das ecovila, como uma das principais do mundo. Antes da pandemia da Covid-19, chegou a figurar entre as cinco maiores com cerca de 200 moradores.


Diego Wawrzeniak, um dos anfitriões no programa de imersão oferecido em Piracanga, explica que o lugar é fruto do trabalho de muita gente que passou por lá. “Foi construído de forma coletiva e descentralizada com a participação de muitas organizações e indivíduos que contribuíram para a criação do ecossistema”, conta o administrador de empresa que trocou a cidade pelo sonho de uma vida mais simples, sustentável e integrada à natureza, há 10 anos.


O centro holístico Unah Piracanga é uma dessas organizações, hoje a maior, que compõem esse grande ecossistema chamado Piracanga. Também existe integrado ao lugar, o laboratório Plante, que produz os biodegradáveis de uso obrigatório por todos os moradores e visitantes - importantíssimo para manter a limpeza da água do lençol freático; a escola Almar; a Econet que fornece sinal de wi-fi para toda vila; o empório Frutos da Terra.


Há, ainda,uma rede de terapeutas holísticos que moram na vila e oferecem trabalhos individuais para os visitantes, além de outras instituições e parceiros que trabalham juntos para manter o lugar do jeitinho que ele é: natural.


A floresta revivida


Antes de existir a ecovila, além de areia, o lugar abrigava uma área que havia sido desmatada para plantação de coqueiral. Não existia a vegetação abundante com tamanha biodiversidade que se vê hoje. Diego explica que para que o solo, que tinha se tornado muito arenoso e pobre, voltasse a ser nutritivo e possibilitasse o desenvolvimento de espécies variadas, foi necessário regenerar e reflorestar utilizando sistemas agroflorestais para dar lugar ao ecossistema atual.


O trabalho de regeneração realizado em Piracanga pode ser visto bem do alto. Imagens de satélite no Google Earth mostram que a área, que há 15 anos atrás era um descampado, hoje é uma robusta floresta. É uma utopia bem factível que poderia ser exemplo para outros lugares desmatados em todo Brasil.


Como tudo começou?


Em 2008 um grupo de europeus adquiriu a área com a intenção de criar uma ecovila. Eles dividiram o terreno em três partes. Uma delas, de 3 hectares, ficou dedicada para a construção do centro holístico na área central onde, também, foram construídos os chalés, o restaurante, as lojinhas adjacentes e as ocas onde, atualmente, são promovidas diversas atividades como cursos, retiros, terapias e etc.


A segunda parte do terreno, cerca de 10 hectares, foi loteada e vendida para quem quisesse construir casas e morar no que se tornou a ecovila. Atualmente algumas dessas residências são alugadas integralmente ou disponibilizam cômodos para quem não quer viver em definitivo na ecovila, mas deseja ter a experiência de coabitar em comunidade por um período.

Atrás da ecovila fica uma área de 80 hectares de mata preservada e de reserva natural. Ou seja, o terreno arrendado tem quase 100 hectares e apenas 13% de área construída, abrangendo todo o complexo.


Um dos primeiros desafios postos para a ecovila existir foi o de obter mão de obra especializada para construir em um lugar em que não existia nada e era de tão difícil acesso. Por conta disso, Piracanga demorou bastante para sair do plano das ideias e se tornar o projeto concretizado que é hoje.


“Mas, aos poucos, começaram a chegar pessoas que se identificavam com a proposta de vidas, interessadas em fincar o pé e em desenvolver projetos no local. Um dos primeiros projetos, bem importante para o desenvolvimento da ecovila, foi o da escola. Ela foi criada de forma coletiva e fortaleceu a comunidade local, pois criou condições para que famílias com filhos pudessem vir morar em Piracanga”, lembra Diego.


Esse grupo de pessoas foi aumentando e criando uma comunidade intencional denominada Inkiri, que chegou a se constituir legalmente como um instituto, uma associação privada sem fins lucrativos. Segundo conta Diego, não eram todos os moradores da ecovila que faziam parte da comunidade Inkiri, mas era o instituto que gerenciava projetos como a escola, o centro de permacultura e o centro holístico.


“Essa foi uma época de crescimento vertiginoso com muita gente e muitos cursos acontecendo aqui. Chegamos até mesmo a ter uma moeda local, que circulou por cinco anos e tudo era comprado com ela, um banco comunitário e vários outros experimentos como uma plataforma em blockchain para realização de transações digitais, entre outras”, revela Diego.




Retiro de sete dias


Depois de um tanto de tempo reclusa, literalmente enfurnada numa kitnet de 23m2, tudo o que eu queria nas férias pós pandemia era sentir a liberdade dos cabelos ao vento, do sol na pele, essa tranquilidade de dias que parecem só existir na nossa imaginação.

Comecei a pesquisar alguns roteiros e logo o algoritmo direcionou Piracanga. Foi amor à primeira vista porque era tudo o que precisava: comida vegana, yoga, dança, terapia holística e ainda de quebra a oportunidade de fazer uma prova de conceito para o que almejo para minha vida daqui poucos anos, que é viver totalmente de forma integrada com a natureza.


E assim foi. Fui sozinha e foi uma ótima oportunidade de conhecer pessoas incríveis. No transporte, no quarto compartilhado, na fogueira, nas rodas de danças, nas conversas à mesa, na travessia e no ritual no Rio, foi tudo perfeito. As pessoas certas no lugar exato. Apelidamos nossa turma de Quinta Série B da quinta dimensão. Sabe aquela sensação de Dejavu o tempo todo? Foi exatamente assim.


O programa que eu participei é uma imersão que dura uma semana cuja proposta é que os visitantes experimentem na prática um novo estilo de vida, com mais equilíbrio, saúde, conexão e natureza. O dia começa bem cedinho com aula de Yoga, depois um delicioso café da manhã integralmente baseado em plantas. A programação pode variar entre conversas sobre agroflorestas ou uma experiência imersiva com chefe de cozinha ou ainda uma visita ao local mais sagrado do Rio, protegido por um morador nativo.


As noites tem dança circular, forró ou, apenas, a contemplação da lua ou, quem sabe, uma fogueira, depende da animação dos participantes. Nosso grupo aproveitou ao máximo todas as experiências.



A semente que brotou, Unah

Unah foi o nome escolhido para representar a semente, um pequeno grão que contém toda a informação necessária para a vida poder germinar e acontecer.

Em Piracanga, o solo fértil para plantar as sementes de um futuro melhor, mais verde, mais equilibrado e mais próspero.

Trata-se de um laboratório em constante transformação onde a comunidade aprende criando, errando, testando, tentando, desenvolvendo soluções e caminhando juntos.







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